domingo, 3 de outubro de 2010

Carta Fúnebre

Funeral. Todos já passaram (ou passarão) por isso, querendo ou não. Sei de pessoas que têm total aversão aos ritos fúnebres, sei de pessoas que são indiferentes a eles. Eu, francamente, prefiro não ter que passar por isso, mas faço questão de comparecer à última despedida. É o momento que temos para repensarmos em nossas atitudes, para contemplar a beleza da vida e da morte, de repensarmos nossos valores. E de revermos familiares. Incrível como eles parecem multiplicar-se a cada episódio funesto.

Eu sou uma observadora incurável. Vejo, escuto, percebo. Nem sempre isso é bom para mim, pois como sempre digo, a ignorância é o que me salva, mas não consigo desconectar do que acontece ao meu redor. Começo pelos jornais. Já notaram a seção de "Obituários" ? Os gaúchos têm um belo modo de "homenagear" entes que partiram. São belos textos contando a vida, a história dos que se foram. Um povo de tantas tradições não poderia ter uma postura mais honrosa. Pena que é uma homenagem tão tardia, afinal, mortos não compram jornais. E somente os vivos mais osciosos lêem tal seção. Enfim, dinheiro gasto em vão.

Cemitérios sim, estes são fascinantes! São lindos, repletos de ornamentos, silenciosos, alguns com vistas privilegiadas de suas cidades. São verdadeiros convites à reflexão ou à ausência desta. E como precisamos de um momento de ausência de pensamentos às vezes... Alguns chegam ao status de ponto turístico. Claro, nem todos são assim - dependem de recursos financeiros para tal, mas boa parte é assim. O contraditório é que se gasta tanto dinheiro com a "última morada" para se receber tão poucas visitas... Visitas que entram em extinção ao passar do tempo... Eu, particularmente, nunca visitei a "última morada" dos meus avôs. Além disso, morto não enxerga a beleza dos cemitérios. Enfim, dinheiro gasto em vão [2].

Parentes. Alguns aparecem só quando precisam de dinheiro, uns ligam uma vez por ano. E outros a gente vê somente uma vez na vida e outras nas mortes alheias. Ainda têm a cara-de-pau de te abraçar e dizer: "Nossa! Como cresceste! Como estás bonita(o)! Temos que marcar alguma coisa..." E a gente só responde: "Aham! Liga qualquer hora..." Não sei qual parte é mais hipócrita. Na hora de pagar a conta do funeral, (quase) todos somem. Sim, sempre se salva uma meia dúzia, não dá para generalizar.

Velório. Este é um rito ao qual obedeço e admiro. Creio na importância dele. Muito mais importante para os que ficam do que para os que vão. É quando nos é concedido o direito de chorar pela saudade, pela dor, pela tristeza, por nós mesmos. Pela pessoa que morreu deveríamos chorar de inveja, afinal, morte é apenas uma passagem, seja lá para onde for. Pro paraíso, pro inferno ou pro nada, tanto faz. O que importa é a liberdade conquistada.

E como já disse anteriormente, é o momento da contemplação. Sêneca reflete sabiamente sobre a morte humana quando escreve que "qualquer tempo que já passou pertence à morte". Cada momento que adiamos na vida, se transforma em morte, e somente enxergamos isto quando nos deparamos com a morte do corpo alheio. E, diante de um corpo sem vida, vemos a morte lenta dos nossos dias. Por que precisamos ver a extinção da vida de outrem para percebermos a nossa própria fragilidade?

Reflita sobre a vida e a morte. O que é a vida senão a morte das horas? O que é a rotina senão a morte dos sonhos? Não espere mais um funeral para perceber que a única coisa que lhe pertence é o agora. O próximo funeral pode ser o seu. Frase forte? Pesada? Desculpe, mas só sei ser intensa. Talvez minhas palavras soem um pouco sombrias, mas se há sombra, há luz. Tudo tem dois lados.

Acredito nas palavras de Epicuro: "ninguém sai da vida tal como entrou". Se isto vai ser bom ou ruim, só depende de cada um. Permita-se morrer e renascer enquanto há tempo. Não se preocupe em ter uma vida longa, mas sim em viver bem. A riqueza deve estar mais em nossos atos do que em nossos bolsos. A sabedoria é o caminho para a felicidade. "Passa bem"!